Dormir oito horas seguidas à noite tem sido, por décadas, o padrão ouro do sono saudável. A maioria dos médicos, nutricionistas e especialistas em produtividade recomendam essa abordagem como ideal. Mas será mesmo?
Nos últimos anos, uma tendência silenciosa, porém poderosa, tem emergido: o retorno ao sono bifásico. Antigamente, era comum que as pessoas dormissem em dois blocos — um à noite e outro ao final da tarde ou início da noite.
Agora, com o avanço do trabalho remoto, da ciência do ritmo circadiano e da busca por desempenho mental, o hábito de dormir duas vezes ao dia voltou ao centro das discussões sobre saúde e alta performance.
Este artigo traz uma abordagem inédita e aprofundada sobre por que o sono bifásico está se tornando um modelo atrativo novamente — e o que a ciência, a história e a prática moderna têm a dizer sobre isso.
O QUE É SONO BIFÁSICO?
O sono bifásico, como o próprio nome indica, é a divisão do descanso noturno em dois períodos distintos. Ao invés de dormir oito horas ininterruptas, o indivíduo reparte o sono em dois blocos: um mais longo (geralmente à noite) e outro mais curto (comumente uma sesta ou cochilo à tarde).
Esse padrão contrasta com o sono monofásico, que se popularizou com a Revolução Industrial, quando as exigências do trabalho em turnos fixos impuseram horários rígidos de repouso.
Em contrapartida, o sono bifásico se alinha melhor com os ritmos naturais do corpo humano, como veremos a seguir.
A HISTÓRIA NATURAL DO SONO HUMANO
A divisão do sono em dois blocos não é uma invenção contemporânea. Registros históricos da Idade Média e até do Renascimento mostram que era comum haver dois períodos de sono noturno.
A prática era chamada de “primeiro sono” (das 21h até cerca da meia-noite ou 1h) e “segundo sono” (das 2h até o amanhecer). Entre esses períodos, as pessoas oravam, liam, conversavam ou praticavam atividades íntimas.
O historiador Roger Ekirch, em sua extensa pesquisa, mostrou que o sono segmentado era parte da vida cotidiana até ser abandonado no século XIX com a eletrificação e a urbanização.
Hoje, estamos resgatando essa sabedoria ancestral sob uma nova ótica — mais alinhada à neurociência moderna e ao bem-estar mental.
A CIÊNCIA DO RITMO CIRCADIANO E ULTRADIANO
Nosso corpo funciona em ciclos, e isso inclui o sono. O ritmo circadiano é o ciclo de 24 horas que regula sono, vigília, temperatura corporal, hormônios e metabolismo. Já os ritmos ultradianos são ciclos menores, que se repetem dentro do dia, durando cerca de 90 a 120 minutos.
Durante o dia, há naturalmente uma queda de energia e concentração entre 13h e 15h — popularmente conhecida como “crash pós-almoço”. Essa queda é parte do ritmo ultradiano e não significa apenas digestão pesada, mas uma real necessidade biológica de descanso.
O sono bifásico atende melhor a esses ritmos naturais, oferecendo um descanso breve no meio do dia, que melhora o desempenho cognitivo e a disposição física.
BENEFÍCIOS COMPROVADOS DO SONO BIFÁSICO
A ciência moderna tem apontado diversas vantagens para quem adota o sono bifásico. Dentre os principais benefícios, destacam-se:
- Melhora da memória: cochilos entre 15 a 90 minutos aumentam a consolidação da memória e o aprendizado;
- Aumento da criatividade: artistas, escritores e programadores relatam picos de criatividade após o segundo sono;
- Redução da fadiga mental: dividir o sono reduz o acúmulo de estresse cognitivo ao longo do dia;
- Melhoria no humor: pausas regulares de descanso ajudam na regulação emocional;
- Aumento da produtividade: muitas pessoas relatam conseguir produzir mais em dois turnos separados de alta concentração.
Além disso, a prática de um cochilo planejado ou do chamado “sono dividido” está sendo adotada por empreendedores, CEOs e atletas de alta performance, o que tem reforçado sua popularidade nas redes sociais e nas plataformas de conteúdo sobre biohacking.
O SONO BIFÁSICO NO CONTEXTO MODERNO
O estilo de vida contemporâneo — marcado pelo excesso de telas, jornadas flexíveis e sobrecarga de informações — tem feito com que o sono tradicional de oito horas seguidas se torne um desafio.
Pessoas que trabalham remotamente, freelancers, estudantes de alta performance ou profissionais criativos têm buscado maior autonomia sobre seus horários. Nesse cenário, o sono bifásico oferece uma solução que se adapta melhor à realidade atual.
Com o sono bifásico, é possível dormir, por exemplo, 5 horas à noite (das 23h às 4h) e tirar uma soneca de 90 minutos às 14h. Isso permite manter o foco pela manhã e ter uma recuperação mental no meio do dia.
Em ambientes de trabalho com mais autonomia, essa prática tem ganhado adeptos discretamente — com resultados muito expressivos.
TIPOS DE SONO BIFÁSICO
Existem variações de sono bifásico que atendem diferentes perfis:
Sono Bifásico Tradicional
- 6 horas de sono à noite;
- 1,5 hora de cochilo no início da tarde.
Sono Bifásico Interrompido
- 4 horas de sono entre 21h e 1h;
- Período acordado de 1h a 3h (leitura, introspecção);
- 3 horas adicionais até o amanhecer.
Sono Bifásico Flexível
- 5h30 de sono à noite;
- Cochilo de 60 a 90 minutos entre 13h e 15h.
Cada modelo pode ser ajustado conforme a rotina e o cronotipo da pessoa (matutino, vespertino ou intermediário).
MITOS SOBRE O SONO BIFÁSICO
Apesar dos benefícios, ainda existem mitos que afastam as pessoas desse padrão natural. Entre os principais equívocos, estão:
- “Dormir em dois blocos fragmenta o sono e prejudica a saúde”
Fato: O sono bifásico é diferente da insônia. Ele respeita os ciclos REM e NREM, desde que os blocos sejam bem planejados. - “É impossível se adaptar a esse modelo com filhos ou trabalho fixo”
Fato: Ajustes podem ser feitos com cochilos mais curtos (20-30 minutos) ou horários flexíveis no fim de semana. - “Só quem tem muito tempo livre pode dormir duas vezes”
Fato: O sono bifásico pode ser adaptado em formatos acessíveis, como cochilos estratégicos (power naps) de 20 minutos com excelente efeito no desempenho.
O IMPACTO NO CÉREBRO E NA PRODUTIVIDADE
Estudos em neurociência indicam que o sono, especialmente os estágios profundos como REM, são cruciais para a resolução de problemas, criatividade e consolidação da memória. Dividir o sono em dois momentos permite distribuir melhor esses estágios ao longo do dia.
Pesquisadores da NASA demonstraram que um cochilo de apenas 26 minutos melhora o desempenho em 34% e o estado de alerta em 54%. Em outras palavras, não descansar à tarde é desperdiçar uma janela poderosa de regeneração cognitiva.
A CULTURA DA SIESTA E O RENASCIMENTO OCIDENTAL
Países como Espanha, Itália e Japão valorizam cochilos como parte da rotina. A “siesta” é uma pausa culturalmente aceita e até institucionalizada. No Japão, empresas liberam cochilos pós-almoço para aumentar a produtividade.
Nos Estados Unidos e no Brasil, essa cultura foi marginalizada em nome do “grind” — a cultura da produtividade incessante. Contudo, estamos vivendo um momento de redescoberta.
Com o movimento slow living e a valorização do autocuidado, o sono bifásico volta como sinal de sofisticação e inteligência biológica.
DICAS PARA ADOTAR O SONO BIFÁSICO
Se você deseja experimentar o sono bifásico de forma segura e eficiente, siga estas recomendações:
- Comece com um cochilo curto: inicie com 20 minutos e aumente gradualmente até 90 minutos;
- Estabeleça horários fixos: a regularidade é essencial para adaptação;
- Evite cafeína após o meio-dia: o café pode atrapalhar o sono vespertino;
- Crie um ambiente escuro e silencioso: até mesmo para cochilos, o ambiente impacta a qualidade;
- Não force a barra: se você acorda naturalmente após 5-6 horas, experimente adicionar um cochilo à tarde sem ansiedade.
QUEM ESTÁ ADOTANDO O SONO BIFÁSICO HOJE
Diversas personalidades modernas utilizam o sono bifásico ou policíclico, entre eles:
- Tim Ferriss, autor de “Trabalhe 4 Horas por Semana”;
- Naval Ravikant, investidor e filósofo de alta performance;
- Muitos atletas olímpicos, que programam cochilos entre treinos para maximizar recuperação muscular e mental.
Além disso, plataformas de produtividade e gerenciamento de tempo, como Notion, têm guias específicos para quem deseja adaptar a rotina ao sono bifásico, comprovando que o modelo vem ganhando espaço no estilo de vida de alta performance.
Além do sono: impactos metabólicos e hormonais do sono bifásico
A discussão sobre o sono bifásico vai além da produtividade. Estudos recentes mostram que dividir o descanso ao longo do dia pode ajudar a regular hormônios essenciais como cortisol, melatonina e insulina — elementos-chave na manutenção do metabolismo e do equilíbrio emocional.
Durante o cochilo da tarde, ocorre uma queda natural do cortisol, o que reduz o estresse sistêmico. Essa pausa também favorece a liberação de melatonina à noite, preparando o corpo para um sono noturno mais profundo, mesmo que ele seja de menor duração.
Pessoas que praticam sono bifásico consistentemente relatam menor incidência de compulsão alimentar noturna, menos episódios de irritabilidade vespertina e melhora nos níveis de glicemia, especialmente em indivíduos com resistência à insulina.
Adaptação gradual e inteligência cronobiológica
Para colher os benefícios do sono bifásico, é fundamental respeitar seu cronotipo individual. Indivíduos matutinos se adaptam melhor a cochilos mais curtos no início da tarde, enquanto vespertinos podem preferir blocos mais longos ou cochilos noturnos iniciais.
A chave está na experimentação consciente e no registro de sensações, como clareza mental, humor e produtividade após cada ciclo. Um diário de sono pode ser uma ferramenta poderosa para refinar os horários ideais e consolidar o novo ritmo.
Também vale lembrar que a transição de um modelo monofásico para bifásico deve ser gradual. Forçar mudanças abruptas sem dar tempo para o corpo se ajustar pode gerar fadiga ao invés de benefícios. O sono é uma ferramenta de ajuste fino, não de imposição.
Uma revolução silenciosa — mas profundamente regeneradora
O retorno ao sono bifásico representa mais do que uma mudança de agenda — é uma revolução nos hábitos de autocuidado. Num mundo que valoriza o “fazer mais em menos tempo”, aprender a pausar com inteligência é uma forma de rebelião saudável.
Ao permitir-se dormir em dois tempos, o indivíduo não está sendo preguiçoso ou improdutivo. Está, na verdade, aplicando uma estratégia de alta performance biológica. Está resgatando um ritmo que é, ao mesmo tempo, ancestral e futurista.
E talvez, nessa pausa entre um bloco de sono e outro, esteja também o espaço necessário para repensar a vida com mais lucidez, presença e sentido.
CONCLUSÃO
O sono bifásico moderno não é uma moda passageira. É um resgate inteligente de práticas ancestrais agora embasadas pela ciência. Ele oferece mais do que descanso: proporciona alinhamento com os ritmos biológicos, melhora a saúde mental, impulsiona a criatividade e favorece uma vida com mais consciência e equilíbrio.
Em uma sociedade sobrecarregada e em constante estímulo digital, reaprender a dormir — em duas fases — pode ser a chave para recuperar saúde, energia e clareza mental.
Se o futuro da produtividade está no descanso inteligente, o sono bifásico pode ser um dos maiores aliados da nova geração.